Introdução: Doenças reumáticas, de uma forma ou de outra, afetam milhões de pessoas. No Brasil, situam-se como a terceira causa principal de incapacidade para o trabalho1. Essas doenças formam um grupo heterogêneo de entidades que produzem alterações sistêmicas envolvendo o tecido conjuntivo de todo o corpo. Por esse motivo, podem comprometer os vasos sanguíneos, as serosas e as mucosas de todo trato aerodigestivo, particularmente a laringe2.
Esclerose Sistêmica (ES) segue sendo dentre as doenças reumáticas, a mais temível, desde a magistral citação de Carlo Curzio em Napoli em 17523. É uma doença autoimune, rara, de etiologia desconhecida, doença crônica, que acomete múltiplos sistemas orgânicos caracterizados pela deposição aumentada do colágeno na pele, que pode envolver os tecidos orais, periorais, as articulações, os tendões e os músculos4. Sua evolução é lenta, progressiva e incapacitante, podendo ocorrer de forma rápida e fatal devido aos comprometimentos dos órgãos internos (nobres). É caracterizada clinicamente por acometimento vascular e alterações fibróticas da pele e dos órgãos internos. Se diagnosticada precocemente é possível controlar os sintomas. Sua incidência é de 2 a 10 para cada 1.000.000 indivíduos na população em geral. A prevalência é estimada em 13 a 140 por milhão. É mais frequente em mulheres (4:1) entre 30 e 60 anos 5,6,7,8. Várias são as manifestações clínicas na ES, dentre elas: O fenômeno de Raynaud, que é uma manifestação vascular e corresponde a um fenômeno de espasmo vascular desencadeado pelo frio ou pelo stress emocional. Apresenta-se como edema nas mãos e nos dedos sendo sinal característico (da fase inicial) da enfermidade. Além disso, outras manifestações podem ocorrer como: tenossinovite, artralgias com evolução para poliartrite, esclerose cutânea, telangiectasias na face e periungueais, calcificações cutâneas, miocardiopatias, doença pulmonar, crise renal esclerodérmica, câncer de mama, envolvimento gastrointestinal9.
Os achados orais que envolvem a cavidade oral e sistema estomatognático, são raros na literatura científica, mas estudos revelam limitação da abertura da boca, dificuldade na mastigação e deglutição, face com aspecto de máscara, enrijecimento de língua, alterações na produção de sons bilabiais em decorrência da limitação dos movimentos mandibulares. 2,10,11,12 Com a evolução da doença pode-se observar rigidez do palato mole, laringe e mucosa oral, responsáveis pela disfagia orofaríngea13 .
Danos do ouvido têm sido ocasionalmente relatados como complicação no curso de várias doenças reumatológicas. Nesse caso devido a hipóxia resultante das alterações vasculares que culminam com aa morte das células ciliadas, além da perda auditiva, outras manifestações como vertigens, tinitus e uma ocasional sensação de plenitude auricular completam o espectro clínico da desordem13.
Objetivo: Descrever a ocorrência de alterações orais e auditivas em indivíduos portadores de ES.
Método: Este estudo foi submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa CEP/UFS e aprovado sob o protocolo CAAE-0326.0.107.000-11, e todos os indivíduos assinaram o termo de consentimento livre esclarecido.
Trata-se de um estudo clínico descritivo-observacional e exploratório, realizado no ambulatório de Reumatologia do HU-UFS. Critérios de inclusão ser adulto e portador de ES e estar em acompanhamento médico no setor de reumatologia do HU. Foram estudados 05 indivíduos de ambos os gêneros na faixa etária de 23 a 60 anos.
Os pacientes foram submetidos à avaliação fonoaudiológica e esta incluiu entrevista e avaliação miofuncional orofacial, por meio da aplicação do exame miofuncional orofacial MBGR14. Para a mensuração da abertura máxima de boca- medida interincisal foi utilizado paquímetro digital Digimess Pró-fono. Realizou-se a audiometria tonal liminar com audiômetro AD229 da marca Interacoustics e medidas de imitância acústica com o analisador AT235. Após a coleta dos dados todos os pacientes receberam devolutiva e serão encaminhamentos para acompanhamento fonoaudiológico.
Para a análise estatística utilizou-se o software statistical package for the social sciences (SPSS, versão 20, 2008, SPSS Inc., Chicago, Illinois, EUA).
Resultados: Dos cinco indivíduos estudados, com relação ao gênero, apenas 1 foi masculino. O fenômeno de Raynaud esteve presente nos 5 em indivíduos. A queixa de zumbido esteve presente em 3, sendo que uma das pacientes não realizou o exame, (devido a hospitalização) Tabela-1. No exame clínico ficou evidente a alteração na mímica facial, hipertonia orofacial, enrijecimento da língua e a diminuição na abertura máxima de boca em todo grupo estudado, com diferentes graus de comprometimento. A respiração apresentou-se nasal apenas em um caso, e alterada nos demais (sendo 3 oronasal e uma oral). Alteração na função de mastigação foi evidenciada em 4 componentes estudados, manifestando-se por trituração ineficiente, contrações musculares atípicas e velocidade diminuída. Apenas em uma paciente não foi observada essa função devido dieta líquida (em função de complicação da doença e hospitalização). A deglutição foi adequada com relação à participação da língua e a coordenação, mas ocorreu com participação excessiva do músculo orbicular da boca, do mentual, com ausência de fechamento labial tanto para líquido como para sólido, observou-se também resíduos após a deglutição em todos os indivíduos avaliados. Os aspectos fonético/fonológico não evidenciaram alteração, mas ocorreu limitação na abertura da boca durante a fala principalmente nos casos com dimensão interincisal máxima ativa menor que 40mm. (Tabela-2).
Discussão: A ES é mais comumente vista em mulheres (M: H = 4:1), na faixa etária de 30 a 60 anos Em homens abaixo de 30 anos ela torna-se mais rara ainda, devido à presença de um homem em nosso estudo, a amostra tornou-se mais rica, em função da raridade e principalmente devido à idade estar abaixo de 30 anos 15. Estima-se que menos de 10% dos pacientes desenvolvam a doença antes dos 20 anos de idade, a faixa etária mais comprometida encontra-se entre a terceira e quinta décadas de vida, dados esses que vem de encontro com a população estudada. O Fenônemo de Raynaud esteve presente em todos os indivíduos, episódio manifestado pela condição marcada pela palidez e arroxeamento dos dedos das mãos, dos pés e na ponta do nariz, causado por um vasoespasmo dos pequenos vasos sanguíneos, na presença do frio, segundo os autores ocorre em 95% dos portadores da doença. 8,9,10,15 em nosso estudo foi observado devido a baixa temperatura do ar condicionado. Apesar da queixa de zumbido estar presente em 3 indivíduos, o exame auditivo revelou limiares tonais dentro do padrão de normalidade em ambas às orelhas, com presença bilateral dos reflexos acústicos ipsi e contra-laterais e timpanogram tipo A13.
A partir da análise dos dados, foi possível observar que a rigidez de pele e da musculatura orofacial resultante da deposição crônica de colágeno presente em pacientes com ES foi responsável pelas alterações significantes que envolvem os aspectos da cavidade oral, sistema estomatognático, podendo gerar desequilíbrio e afetar as funções com ele relacionadas10-11- 12. Conclusão: A ES provoca alterações importantes na motricidade orofacial de pacientes por ela acometidos. Não foi verificada alterações importantes de limiares de audibilidade tonal, porém a presença da queixa de zumbido.Vale ressaltar que diante da escassez de estudos sobre as manifestações fonoaudiológicas na ES, novos trabalhos são necessários a fim de trazer mais evidências sobre o envolvimento não só do sistema estomatognático e da audição, mas de outras manifestações que envolvem a Fonoaudiologia. Dessa forma, esses dados poderiam contribuir para elucidar lacunas existentes na literatura científica, permitindo melhor compreensão e consequentemente propiciando melhora na qualidade de vida desses indivíduos.


Dados de publicação
Página(s) : p.1959
URL (endereço digital) : http://www.sbfa.org.br/portal/suplementorsbfa

Tabela 1- Demonstração da população estudada e manifestações clínicas e auditivas

Paciente

Sexo

Idade

  TID

   FRy

Queixa auditiva

1

 M

 23

02 anos

Presente

Não

2

 F

 42

10 anos

 Presente

Sim – zumbido

3

 F

 45

13 anos

Presente

Sim – zumbido

4

 F

 58

+ de 30ª

Presente

Sim - zumbido

5

 F

 60

10 anos

Presente

Não

              Legenda - M = masculino, F = feminino,TID = tempo da descoberta doença,  

                                                   FRy= Fenômeno de Raynaud,a=anos

 

 

Tabela 2- Demonstração de alterações nas funções orais e da abertura máxima de boca

Paciente

 Respiração

     Mastigação

 Deglutição

    Fala

DIMA

      1

   Oronasal

        Alterada

Alterada

Amplitude reduzida

32 mm

      2

   Oronasal

        Alterada

 Alterada

Amplitude reduzida

30 mm

     3

   Oronasal
 

     

         Alterada

 

 

  Alterada

Amplitude reduzida

32 mm

     4

     Oral 

 

         Alterada

 

 

  Alterada

Amplitude reduzida

22 mm

     5

     Nasal
 

         Alterada

  Alterada

  Normal

40 mm

Legenda- Dima= distância interincisal máxima ativa